Moléculas de bruxaria
Introdução
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e meados do séc. XIV até o fim do XVIII, um grupo de moléculas contribuiu para a desgraça de milhares de pessoas. Talvez nunca venhamos a saber exatamente quantas, em quase todos os países da Europa, foram queimadas na fogueira, enforcadas ou torturadas como bruxas durante esses séculos. As estimativas variam de 40 mil a milhões. Embora, entre os acusados de bruxaria, houvesse homens, mulheres e crianças, aristocratas, camponeses e clérigos, em geral os dedos eram apontados para as mulheres, sobretudo pobres e idosas. Propuseram-se muitas explicações para o fato de as mulheres terem se tornado as principais vítimas das ondas de histeria e delírio que ameaçam populações inteiras durante centenas de anos. Especulamos que certas moléculas, embora não inteiramente responsáveis por esses séculos de perseguição, desempenharam neles um papel substancial.
A crença na feitiçaria e na magia sempre fez parte da sociedade humana, muito antes que as caças às bruxas começassem, no final da Idade Média. Ao que parece, entalhes da idade Da Pedra representando figuras femininas eram venerados por seus poderes mágicos de propiciar a fertilidade. O sobrenatural está presente de modo abundante nas lendas de todas as civilizações antigas: divindades que assumem formas animais, monstros, deusas com o poder de enfeitiçar, magos, espectros, duendes, fantasmas, criaturas temíveis, metade animal e metade homem, e deuses que habitavam o céu, as florestas, os lagos, oceanos e as profundezas da terra. A Europa pré-cristã, um mundo cheio de magia e superstição, não era exceção.
À medida que o cristianismo se espalhou pela Europa, muitos antigos símbolos pagãos foram incorporados aos rituais e celebrações da Igreja. Em alguns países ainda são celebrados, como Halloween, ou dia das bruxas, a grande festa celta dos mortos, que assinalava o início do inverno, no dia 31 de outubro, embora 1º de novembro, dia de Todos os Santos, tenha sido uma tentativa da Igreja para desviar as atenções das festividades pagãs. A noite de Natal foi originalmente o dia festivo romano da Saturnália. A árvore de Natal e muitos outros símbolos (o azevinho, a hera, as velas) que hoje associamos ao Natal têm origem pagã.
Trabalho e tribulação
Antes de 1350 a bruxaria era vista como prática da feitiçaria, uma maneira de tentar controlar a natureza em nosso próprio interesse. Usar sortilégios na crença de que podiam proteger safras ou pessoas, fazer encantamentos para influenciar ou prover, e invocar espíritos era lugares-comuns. Na maior parte da Europa a feitiçaria era aceita como parte da vida, e a bruxaria só era considerada um crime se produzisse danos. As vítimas de maleficium ou de maldade produzidas por meio do oculto podiam empreender ações legais contra um bruxo, mas se fossem incapazes de provar sua acusação tornavam-se, elas próprias, passíveis de punição e tinham de pagar as custas do processo. Por esse método, evitavam-se acusações vãs. Raramente bruxos eram condenados à morte. A bruxaria não era nem uma religião organizada, nem uma oposição organizada à religião. Não era sequer organizada. Era apenas parte do folclore.
Por volta de meados do século XVI, porém, uma nova atitude em face da bruxaria tornou-se manifesta. O cristianismo não se opunha à magia, contanto que fosse sancionada pela Igreja e reconhecida como milagre. Quando conduzida fora da Igreja, porém, era considerada obra de Satã. Os feiticeiros estavam em conluio com o diabo. A Inquisição, um tribunal da Igreja Católica originalmente estabelecido por volta de 1233 para lidar com hereges, sobretudo no sul da França, expandiu seu mandato para lidar com a bruxaria. Segundo algumas autoridades, depois que hereges haviam sido praticamente eliminados, os inquisidores, precisando de novas vítimas voltaram os olhos para a feitiçaria. Os números de bruxos potenciam em toda a Europa era grande; a fonte possível de ganhos para os inquisidores, que partilhavam as propriedades e os bens confiscados com as autoridades locais, devia também ser enorme. Logo bruxos estavam sendo condenados, não pela prática de malefícios, mas por terem supostamente estabelecido um pacto com o diabo.
Esse crime era considerado tão horrendo que, em meados do século XV, as normas ordinárias do direito não se aplicavam mais a julgamentos de bruxos. Uma acusação isolada era tratada como prova. A tortura não era apenas admitida, era usada rotineiramente; uma confissão sem tortura era considerada pouco confiável, ideia que hoje parece estranha.
Os atos atribuídos aos bruxos, promover rituais orgíacos, fazer sexo com demônios, voar em vassouras, matar crianças, comer bebês, eram em sua maior parte absurdos, o que não impedia que se acreditasse neles fervorosamente. Cerca de 90% dos acusados de bruxarias eram as mulheres, e seus acusadores podiam ser tanto mulheres com homens. Se os chamados caçadores de bruxas revelam uma paranóia subjacente voltada contra as mulheres e a sexualidade feminina é uma questão por discutir. Sempre que um desastre natural acontecia uma inundação, uma seca, uma safra perdida, não faltavam testemunhas para atestar que alguma pobre mulher, ou mais provavelmente um grupo deles, havia sido vista cabriolando com demônios num sabá (ou reunião de bruxas), ou voando pelos campos com um espírito malévolo, na forma de um animal, como um gato a sue lado.
O furor tomou conta igualmente de países católicos e protestantes. No auge da paranóia da caça às bruxas, de cerca de 1500 a 1650, quase não sobrou uma mulher viva em algumas aldeias da Suíça. Em certas regiões da Alemanha houve algumas aldeias cuja população inteira foi queimada na fogueira. Na Inglaterra e na Holanda, contudo, a perseguição frenética às bruxas nunca se tornou tão encarniçada como em outras partes da Europa. A tortura não era permitida sob as leis inglesas, embora suspeitos de bruxaria fossem submetidos à prova da água. Amarrada e jogada num poço, uma bruxa de verdade flutuava e era então resgatada e devidamente punida, por enforcamento. Caso afundasse e se afogasse, considerava-se que fora inocente da acusação de bruxaria, um consolo para a família, mas de pouca valia para a própria vítima.
O terror da caça às bruxas só amainou aos poucos. Mas os acusados eram tantos que o bem-estar econômico ficou ameaçado. À medida que o feudalismo batia em retirada, e despontava o Iluminismo e que vozes de homens e mulheres de coragem que se arriscavam a ir para a forca ou para a fogueira por se oporem àquela loucura foram se elevando, a mania que assolara a Europa durante séculos foi se reduzindo gradativamente. Nos Países Baixos, a última execução de uma bruxa ocorreu em 1610, e na Inglaterra, em 1685. As últimas bruxas executadas na Escandinávia 85 mulheres idosas queimadas na fogueira em 1699, foram condenadas com base exclusivamente em depoimentos de crianças pequenas, que afirmaram ter voado com elas para sabás.
No séc. XVIII, a execução por bruxaria havia cessado: na Escócia em 1727, na França em 1745, na Alemanha em 1755, na Suíça em 1782 e na Polônia em 1793. Mas embora a Igreja e o Estado tivessem deixado de executar bruxos, o tribunal da opinião pública mostrou-se menos disposto a abandonar o temor e a aversão à bruxaria adquiridos em séculos de perseguição. Em comunidades rurais mais remotas, as velhas crenças continuaram dominando, e não poucos suspeitos de bruxaria perderam a vida, ainda que não por diante oficial de maneira violenta.
Muitas mulheres acusadas de bruxaria eram herboristas competentes no uso de plantas locais para curar doenças e mitigar dores. Muitas vezes também forneciam poções do amor, faziam encantamentos e desfaziam bruxarias. O poder de curar que algumas d suas ervas realmente tinham era visto como tão mágico quanto os encantamentos e rituais que cercavam as demais cerimônias que realizavam.
Usar e receitar remédios à base de ervas era, na época, como agora, um negócio arriscado. As diversas partes de uma planta contêm níveis diferentes de compostos eficazes; plantas colhidas em lugares diferentes podem variar em poder curativo; e a quantidade necessária de uma planta para produzir uma dose apropriada pode variar segundo a época do ano. Muitas plantas podem ser de pouca valia num elixir, enquanto outras contêm medicações extremamente eficazes, mas também mortalmente venenosas. As moléculas dessas plantas podiam aumentar a reputação de uma herborista como feiticeira, mas o sucesso podia ele próprio acabar sendo fatal para essas mulheres. As herboristas com maior capacidade de curar podiam ser as primeiras rotuladas de feiticeiras.
acredito que as imagens deveriam ser inseridas no texto a medida que que se mencione algo a respeito e não depois de todo o texto.
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